segunda-feira, 12 de agosto de 2013

QUERIDO CAIO FERNANDO ABREU





Me explique, bruxo? Onde estiver me explique.

Como alguém pode vir morar contigo, dizer que te ama na noite anterior, e sumir de repente sem nenhum arrependimento?

Amor muda de ideia? Amor é leviano assim? Amor é brincar de destruir? 

O que digo agora também já está morrendo?

Morrer produz barulho, sei, mas e o barulho de viver? Não dá para ouvir daí?

Como do homens dos sonhos você se torna um homem sem sonho?

Como uma manhã sem falar doía nela e hoje o amanhã sem falar nem provoca ansiedade?

Como alguém não guarda em si o mínimo de autocrítica para refletir as últimas semanas?

Eu dividiria até meu egoísmo com ela. Não ficaria com ele sem partilhar. Como não se fracionar? No momento em que a gente se guarda a gente se perde, não?

Como alguém que ama decide alguma coisa? Logo no amor, Caio? Amor não é adiar? Amor não é humildade?

Vejo que o erro é arrogante, Caio. Como existe soberba na maldade, hein? 

Será que foi vingança de relações passadas? Eu era o intervalo de um ódio?

Será que não devia ser sincero, fiel, não podia confessar minhas fraquezas, falar o que temia? Honestidade não combina com amor? 

Eu que sou garrancho, arredondei a letra no caderno de caligrafia, escrevi entre as linhas de baixo e de cima, bem certinho, você ficaria orgulhoso conhecendo minha pressa, mas só você, Caio, só você sabe o enorme sacrifício que é escrever entre as linhas. 

Será que a felicidade machuca? Será que a felicidade nunca é suficiente? Será que os casais se separam porque acreditam que podem ser felizes sem ninguém? Ou acreditam que podem ser ainda mais felizes do que estão sendo? 

Será que a solidão mente o que somos?

Se o afeto sufoca, me diz, então, o que liberta?

Será que é só conhecer uma intimidade que somos empurrados para fora? Será que a pessoa não se gosta nem um pouco para admitir testemunhas? Será que sabemos demais, enxergamos demais, e nosso corpo é obrigado a desaparecer? Amar é coisa de máfia?

Será que recebemos a culpa por problemas pessoais? Que é mais fácil encerrar a relação do que assumir os medos?

O amor é um mal-entendido, é ilógico, Caio? Estou começando a crer nesta hipótese. 

Como alguém pode se entregar loucamente e depois alegar que nada tem mais importância?

Que piração é esta, Caio? Isso também acontece no mundo dos mortos? Ou os mortos são mais estáveis? Ou os mortos são mais confiáveis? 

Como alguém faz declaração pública de amor e depois diz que desejava invisibilidade?

Como confiar no silêncio se não há esperança?

Eu fingi que era diferente? Não expressei como era desde sempre, não avisei como funcionava?

Como alguém cultiva os meus amigos e filhos, defende o nosso destino, numa hora e na hora seguinte se mostra surda a todo conselho, surda a toda dúvida, surda a toda incerteza?

Como alguém pode jogar a história fora? Por facilidade? Não conheço nada fácil, nem a amizade. Não pode ser.

Será que ninguém mais lê mais poemas hoje, Caio? Poemas não têm final. O amor deveria ser como um livro de poesia. Para se ler fora de ordem. Para se ler um pouco por dia. Desprovido de desfecho. Poema é releitura na primeira leitura. 

Caio, não suporto que digam que mulher não gosta de homem que se entrega, que temos que omitir, que temos que jogar. É uma cilada machista, não lhe parece, para justificar a grosseria e a ausência de interesse?

O que será da intensidade longe da doação? 

Onde foi parar a delicadeza dela, a ternura de antes? Foi uma miragem? 

Onde as pessoas escondem o amor, Caio? Onde as pessoas enterram os ossos de suas alegrias?

Como alguém pode ser frio, indiferente, insensível a ponto de usar as frases mais duras e impessoais, sem se importar com o sofrimento que causa?

Como alguém manda mensagens como se estivesse realizando um favor? Que superioridade é esta? Cadê o nervosismo que pede um abraço?

Como alguém não se esforça para retroceder o baque, zerar os meses? Por amor, a gente apaga que nasceu um dia, não é mesmo? 

Como alguém não cancela sua atitude? Que obstinação é essa de machucar, de sangrar ruas e lugares prediletos?

Como alguém não sente saudade, não inventa saudade, não cria saudade? É um produto em falta por aqui, Caio, pode mandar material? Mande garoa de palavra para recriar saudade, por favor?

Como não retornar pela verdade, se eu voltaria ainda que fosse uma mentira?

Como não caminhar recuando se avançar é lembrar?

Como o outro termina sem conversar, termina por terminar, termina de modo cruel o que não havia sinalizado?

Como alguém emprega a porta para pisar as mãos, permanece agredindo quem merecia uma fresta de compreensão? 

Como alguém afirma que nada muda da noite para o dia e esquece as noites que mudaram seus dias?

Como esse mesmo alguém é outro, já outro, tão outro que nem sei mais quem fui?

Como não desconfiar do passado, como não imaginar que tudo foi uma mentira?

Como não se sentir usado pelos anjos, corrompido pela dor?

Como, Caio?

Alguém mentiu, Caio, para mim. Para si. E para todos. 

Eu não desisto do que falei um dia com todo o coração. Mas sou eu, Caio, sou eu. Não posso exigir isso de ninguém. 

Viver é incompreensível. 

Um beijo. Cuide-se.

Fabrício Carpinejar





Se ele ou qualquer outra pessoa te explicar Fabrício, me explica também, por favor!!! Aguardo ansioso...

Tiraram a plaquinha de aluga-se...




Resolvi morar sozinha e passei os últimos três meses procurando um apartamento para alugar. Gostei logo de cara de um no Itaim, rua tranquila, vista para várias árvores charmosas, todo pequenininho e aconchegante. Quando entrei nele senti algo especial, estranho, familiar, algo muito bom.Mas não, não se pode ficar com o primeiro que aparece, não é mesmo? O Itaim tem muito trânsito, prédios antigos dão problema na fiação e no encanamento, a garagem era pequena, enfim, continuei procurando. 
Depois daquele apartamento vi pelo menos mais uns 30, mas o dito cujo não saia da minha cabeça. A varandinha azul, as vaguinhas para visitantes ao lado, o porteiro velhinho que só sorria. Eu estava apaixonada. Mas não, o mundo tem tantas opções, não é mesmo? Não se pode ir ficando com o primeiro que aparece, ainda mais um primeiro com tantos defeitos: a cozinha era muito antiga, a porta do banheiro batia no bidê (pra que bidê?) e a proprietária não abria mão do carpete (eu sou alérgica). 
tempo passou, prédios modernos, mais baratos, com vistas melhores e até mesmo com banheiros gigantes (eu amo banheiros) passaram, e eu nunca tirei o predinho da rua Jesuíno da cabeça. Eu me dizia o tempo todo “o que é do homem, o bicho não come” e seguia a vida tranquila sabendo que quando finalmente chegasse a hora de me decidir, ele estaria lá esperando por mim. 
Eu precisava experimentar o mundo, eu precisava conhecer outros cantos, cheiros e vistas, não, de maneira nenhuma eu poderia me deixar levar pelos sentimentos e assinar um contrato de fidelidade. Um dia eu estaria pronta para sair de casa e ser uma mulher, um dia eu estaria pronta para não ter mais que olhar pro lado pra poder olhar pra frente. Um dia eu poderia ser dele e então, ele seria meu. 
Ontem resolvi passar por lá, não para resolver nada e nem para levar minha mudança, apenas para continuar minha paquera medrosa e distante, saber se estava tudo bem com o meu amor e esquentar um pouquinho nosso relacionamento cheios de dúvidas. Quando fui chegando perto não pude acreditar: a placa de aluga-se não estava mais lá! 
Meu coração cheio de fúria não cabia dentro de mim, eu atravessei a rua correndo, apertei a campainha como um fantasma faminto inconformado com a morte mas impotente e invisível. Depois de muito tempo o porteiro berrou sem nem se dar ao trabalho de mostrar o rosto: já tem gente morando lá, foi alugado semana passada! 
Voltei para meu carro e chorei o choro mais profundo, antigo e verdadeiro que já chorei em toda a minha vida. Um choro daqueles contidos pela eternidade. 
Me recordei rapidamente de todas as pessoas e coisas que perdi por ainda não estar preparada para elas, ou por ainda ter muita curiosidade de mundo e dificuldade em ser permanente
Me lembrei de vários lugares que trabalhei e acabei saindo porque era muito nova para me enterrar numa mesa de escritório dez horas por dia, mas eram lugares com pessoas, chefes e trabalhos muito divertidos e inesquecíveis. 
Recordei de amigos e parentes distantes, aqueles que eu sempre deixo pra depois porque moram muito longe ou acabaram se tornando pessoas muito diferentes de mim, sempre penso “mês que vem faço contato com eles”. E se não tiver mês que vem? 
Finalmente chorei todos os meus amores que acabaram, todas as portas que eu deixei entreabertas (porque sou péssima em fechá-las) e que se fecharam pela vida: a maioria casou, juntou, sumiu, nem sei por onde anda. Alguém quis fazer desses amores perdidos moradias e eu mais uma vez fiquei sem minha placa de “aluga-se”
Enfim chorei o fim de tudo, assim é a vida, uma morte a cada dia. Depois, como sempre, limpei o rosto e continuei procurando pela minha casa. Estar sempre insatisfeito, na verdade, é o que faz a gente nunca desistir de seguir em frente e quem sabe um dia se encontrar nesse mundo.

por Tati Bernardi



Rifa-se um coração...




"porque ele já não bate nem apanha..."