Estou procurando a minha cueca
preferida, aquela com elástico grosso, colorida como as outras, mas diferente,
única como as demais. Eu deixei em algum lugar, mas esse lugar é aqui dentro do
meu quarto, não saí daquilo com ela, ou melhor, saí, mas sempre voltei. Não pode
ter sumido assim. Talvez esteja em meio a essa bagunça de ser quem eu não ando
sendo.
[Pausa para revirar o quarto, a
casa, o mundo]
Abre gavetas, tiro tudo dos
armários e jogo tudo em cima da cama. Desdobra, espalha, redobra, guarda e
nada; Encontro papéis, documentos, roupas esquecidas, recordações empoeiradas.
Não, eu não preciso mexer
naquelas caixas antigas. Eu sei o que tem dentro e sei que a minha cueca não
vai estar lá. Mas pensar nisso é a mesma coisa que mandar criança vigiar
bandeja de brigadeiro na véspera da festa. Vai dar errado, a gente sabe, mas
mesmo assim faz.
No velho baú escondido embaixo do móvel estão as lembranças
mais antigas do que eu já fui, do que eu não posso e não quero ser, bem como os
sentimentos guardados, quase uma caixa de Pandora de mim mesmo. Já não ouvia o
barulho do mundo e decidi não abrir, não quis arriscar, fugi para não achar –
melhor ficar longe do que conspira contra nós, e com razão. Aqui, ainda posso
ficar escondido e salvo disso tudo.
Eu sei. Melhor assim. Melhor
mesmo quando não faz parte de mim, quando eu to na esquina e o resto do mundo
do outro lado da rua enxergando tudo. Mas, e aquela minha cueca, onde é que foi
parar? Já que ninguém sabe, vamos colocar que ela está guardada na minha caixa
de Pandora? Porque assim eu coloco um ponto final na procura e as coisas se
acalmam, mesmo sem vê-la posso me conformar com a falta que ela faz. Ficamos
combinados então, agora volta pro quarto e arrume aquela bagunça toda que ficou
pra trás que enquanto isso a gente aproveita pra organizar as idéias também...
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