segunda-feira, 4 de julho de 2011

Desassossego





Depois de me obrigar a sair do sedentarismo e ir praticar o meu esporte, tive algumas boas surpresas. Afinal, os dias tem sido razoavelmente calmos de um lado, mas em outros momentos bastante desgastante e essa oscilação acaba nos deixando a um passo de uma síncope. E nessa montanha-russa de emoções acabei me vendo bastante estressado nos últimos dias por isso tenho tentado relaxar quando posso, buscando inovar pra sair da mesmice.
Aí, nessa toada, eu ganhei alguns minutos na minha vida. Cumpri o cronograma dominical familiar, fiz a minha parte da amigo, mas quando cheguei em casa não me dei folga, e antes do desânimo me agarrar, coloquei o tênis novamente, peguei o ipod e fui correr. Num ritmo um pouco mais lento que o habitual e, talvez por isso tenha aproveitado mais visualmente a paisagem. Vi mais crianças, mais pessoas e parece que a natureza colaborou com o momento.
Depois de uma longa volta eu sentei na beira da água, estiquei as pernas e fiquei olhando fixamente a ponta do tênis. E pra ver como aquela história de que o universo conspira a nosso favor, neste exato momento o ipod no aleatório, achou por bem colocar Maria Bethânia pra cantar Gita e na seqüência declamando o poema Desassossego de Fernando Pessoa que tinha tudo a ver com o contexto, porque enquanto os pássaros brancos tomavam a totalidade da árvore no centro da represa, o alaranjado do céu ia dando lugar pro fúcsia do anoitecer. E preciso confessar que foi um fenômeno único, preciso repetir mais vezes, preciso me permitir mais vezes. E ainda, ao longe, a fonte da represa nova já estava ligada, era uma contemplação de sensações. Era eu, simplesmente me permitindo aproveitar as coisas simples da vida.





"Lembro-me de quando era criança e via, 
como hoje não posso ver, a manhã a raiar sobre a cidade.
 Ela não raiava para mim
mas para a vida
porque então eu, (não sendo consciente)
eu era a vida.
E via a manhã e tinha alegria
Hoje vejo a manhã, tenho alegria
e fico triste.
Eu vejo como via,
mas por trás dos olhos, vejo-me vendo.
E só com isso, se obscurece o sol,
o verde das árvores é velho,
e as flores murcham antes de aparecidas."


[do Livro Desassossego - Fernando Pessoa]





.

Nenhum comentário:

Postar um comentário