sexta-feira, 22 de julho de 2011

O Intratável





Apesar das dificuldades de minha história, apesar dos mal-estares, das dúvidas, dos desesperos, apesar dos ímpetos de abandonar tudo, não paro de afirmar em mim mesmo o amor como um valor. Todos os argumentos que os mais diversos sistemas empregam para desmestificar, limitar, esmaecer, em suma, depreciar o amor, escuto-os, mas obstino-me: "Sei disso, mas mesmo assim...". Atribuo as desvalorizações do amor a uma espécie de moral obscurantista, a um realismo-farsa, contra os quais ergo o real do valor: opondo a tudo "o que não vale à pena" no amor a afirmação do que este vale. Esta teimosia é a profissão do amor. Essa teimosia, é o protesto de amor: debaixo do concerto de `boas razões para amar de outro modo, amar melhor, amar sem estar apaixonado, etc., uma voz teimosa se faz ouvir que dura um pouco mais de tempo: voz do Intratável apaixonado. [...]
O mundo submete todo empreendimento a uma alternativa; a do sucesso ou do fracasso, da vitória ou da derrota. Protesto por uma outra lógica: sou ao mesmo tempo e contraditoriamente feliz e infeliz: "conseguir" ou "fracassar" têm para mim sentidos apenas contigentes, passageiros (o que não impede que minhas dores e meus desejos sejam violentos); o que me anima surda e obstinadamente não é tático: aceito e afirmo fora do verdadeiro e do falso, fora do êxito e do malogro; estou destituído de toda finalidade, vivo conforme o acaso (a prova é que as figuras do meu discurso me vêm como lances de dados). Confrontado com a aventura (aquilo que me ocorre), não saio nem vencedor, nem vencido: sou trágico.
(Dizem-me: esse gênero de amor não viável. Mas como avaliar a viabilidade? Por que é viável é um Bem? Por que durar é melhor que inflamar?)






(In: Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.15-8).



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