segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pra que se vive?




 
Sempre me perguntei pra que se vive, afinal. Quando eu era criança achava que eu vivia porque assim meus pais queriam. Me colocaram no mundo, me deram de comer (...) Me entucharam de brinquedos e de alertas. O mínimo que eu podia fazer por eles era seguir respirando, acordando, passando fio dental, indo ao banheiro pelo menos depois de comer ameixa. Depois, quando eu era adolescente, achei que a gente vivia para gostar de alguém. Se tivesse ao menos um garoto bonitinho na escola, valia a pena acordar cedo. Se tivesse ao menos um garoto bonitinho no inglês, valia a pena abrir mão da sonequinha da tarde. Se tivesse ao menos um garoto bonitinho irmão de uma amiga, valia a pena encher o saco da minha mãe para dormir na casa da amiga. Só podia ser isso! Ou se vive pra estudar matemática? Geografia? Comer legumes? Não podia ser. A única coisa que podia ser, era viver pra sentir o coração disparar por qualquer garotinho bonitinho. De preferência um que tivesse sardinhas no rosto ou furinho no queixo.
No final da adolescência, eu comecei a achar que se vivia pra ser alguém. Entrar na faculdade. Arrumar um emprego. Ser alguém. Fiz tudo isso. Entrei na faculdade. Arrumei 456 empregos os quais larguei 456 vezes. E nesse tempo todo fui vários “alguém” e nenhum alguém 456 vezes. Porque ser alguém não tem nada a ver com essa vontade desesperada de ser alguém. E continuei sem saber afinal para o que se vive. Porque a faculdade e o deslumbre com os primeiros dias de trabalho são espaços curtos demais para uma vida inteira. Não se vive exclusivamente pra isso. Não se vive pra pegar trânsito, ter um chefe que tira uma vírgula sua e coloca em outro lugar só pra mostrar que é seu chefe. (...) Definitivamente não se vive pra isso. E lá ia eu pedir demissão pra tentar descobrir pra que se vive. Será que para salvar as criancinhas, o planeta, os animaizinhos, os osentados, as árvores, as praias, as formigas?
Não, não se vive pra mudar o mundo, o bairro, meu quarto. Porque a gente não muda nem o jeito de escovar os dentes. Essa é a verdade. Daí achei que vivemos para fazer o que gostamos e ponto final. Como se fosse uma missão para a qual Deus nos enviou. (...)  Aí achei então que se vive para as pessoas. Se você tem dez pessoas de quem gosta muito, taí um motivo para se viver. E eu gostava mais ou menos disso: de dez pessoas. (...) E eu e minhas dez pessoas viveríamos bem até os últimos dias... Mas não é bem assim que funciona, vocês sabem. As pessoas casam, mudam de país, resolvem ficar chatas, resolvem te achar chata, resolvem não beber mais vinho. Infelizmente não se vive para as pessoas. E quanto mais os anos passam mais você descobre que as mil pessoas maravilhosas viram cem que viram dez que viram duas. E essas duas são insuportáveis, mas são as que sobraram. E você intercala as duas pra não se irritar em dobro.
Ahhh tudo é tão chato, não é mesmo? Foi então que descobri que talvez se viva para dormir. (...) Minha casa não tem telefone. Dormir, dormir, dormir. Para nunca mais pensar pra que se vive.
E quem disse que dá certo? Eu sonhava toda noite que percorria o mundo atrás da mesma pergunta. E sonhava com velhos sábios, meus coleguinhas do primário, minha professora de yoga, meu 456 ex namorados (definitivamente não se vive para nenhum deles, até porque se você faz isso, eles saem correndo rapidinho), meu avô, um rato morto, um assaltante, a novela das oito, sei lá. Eu percorria o mundo atrás da resposta. E acordava cansada e com mais sono. Esse negocio de dormir não resolve o problema de ninguém. (...) E segui procurando. Talvez a gente viva pra conhecer o mundo, pra andar numa motoquinha em Paris, pra ouvir todas as músicas lindas, pra ler todos os livros bons, pra fazer sexo com amor, pra sair dando pra meio mundo, pra pagar os pecados, pra dançar, pra quebrar o pau com todo mundo, pra ser superficial ou leve e adorar todo mundo como se fosse possível viver em paz aceitando todos e sendo aceita. Pra malhar a bunda, pra chorar num concerto no Teatro Municipal, pra comer um doce, pra ver o Wagner Moura com aquela cara de macho, pra assistir “Love in the Afternoon” do Billy Wilder, pra levar a Lolita no dentista de cachorros, pra olhar ele pela última vez que nunca é a última vez e chorar pela última vez que nunca é a última vez. Tudo isso? Nada disso? E segui procurando. Então pra que? Pra quem? Por que? Por que acordo todos os dias? E nessa de tanto perguntar, não é que descobri! Eu acho, de verdade, do fundo da minha alma, que se vive única e exclusivamente para se viver.
 

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